11.1.09

O Chão de Graciliano - Audácio Dantas e Tiago Santana


*Ao som de Madrugada e Amor, do Caetano.

Eram dois. Um era alto, usava óculos cult e transpirava ansiedade. O outro havia chegado de algum canto, trazendo um pouco de esperança no bolso da camisa de botão, tinha uma voz baixa quase sussurrada. Quando se olharam, foi poesia. Aconteceu um abraço maior do mundo, um beijo no rosto e aquele velho blábláblá dos assuntos banais necessários para cada um entender se a música era samba. Sentaram-se no chão, envolta de livros sobre artes plásticas, designer, fotografia, talvez para inspirar, talvez para ter assunto caso faltasse coragem. O fato é que eles tinham medo. Sim, os dois. Estavam visivelmente tentados, como se um fosse exatamente a quantidade de energia que o outro precisa para manter-se em pé, sabe? Os olhares, a pouca distância, os sorrisos silenciosos não negavam.. era amor. Porém, entre eles, bem ali no meio, na distância entre uma mão e outra, havia o abismo – aquilo que se sente quando nada faz sentido, quando o desequilíbrio deixa de ser desafio e vira abrigo. Pois bem, encontra-se aqui aquela linha tênue da paixão, o instante que antecede o vou-me-jogar-de-cabeça, o medo vindo das entranhas te puxando com todas as forças de volta para o casulo. Até que eles chegaram no tal assunto, na dificuldade de se relacionar, nas frustrações anteriores: um estava em qualquer fase louca e indescritível que apenas traduzia-se em um fique- longe- de -confusão ou chega-de-se-maltratar, o outro deixava as queixas de lado e apenas se mudava, fincava outras raízes, via a Lua de um outro ângulo, coisa de quem não quer ser remexido por dentro. Olhando eles, ali, sentados, tentando resolver algo que só competia a eles, mas que parecia completamente metafísico, me encontrei no meio do diálogo, em pé e atenta, numa busca quase histérica por solução.
A lua cheia encantava-se com um afoxé distante, lá das ruas antigas de Recife enquanto eu adentrava, com tudo o que podia, nas fotografias. Descobri a grande resposta pro meu enigma, todas as minhas fases sem nome e cheias de cor. Dentro, existem medos, fracassos, vitórias, sonhos e letras em pleno outono, coisas que chegam, mas não sabem se ficam. Tentativas, sempre. No meio, há uma janela sem grade – nunca gostei de grades, contradiz com minhas asas - branquinha e deliciosamente escancarada pro mundo, pro dia. O resultado é essa atenção redobrada ao que se aproxima, ao esverdear da alma, ao início, a essa janela que é passagem e não prisão. Sei lá o que me espera, mas que seja doce ( 7 vezes para dar sorte).




Lua, medo, afoxé e amor. .para nós dois.

4 comentários:

Erica de Paula disse...

Onde há grades não há vida ...

Lindo texto!!!

Linkei seu blog lá no Íntimo e Póetico, qdo puder dá uma passadinha lá!

Bjs, vc escreve muitissímo bem!

André disse...

Que seja doce. docíssimo. Sem limites.

Salve Jorge disse...

Tanto alguém me avisou
Pra pisar nesse chão
Devagarinho
Que não divisou
A percepção
A grandeza desse ninho
Janela aberta pra passarinho
Singela
Aberta em profusão
Doce
Docê
Doa-se
Ela
Todo um mundão
Na arte dessa procissão
Conjunção
Sebo nas canelas
Avoa-se
A dois...

Flávia disse...

Oi, Clara!

Então, que eu adoro o que vc escreve não é novidade, né? A novidade é que agora sou editora de um zine eletrônico semanal, e esse texto é absurdamente lindo, e gostaria de incluí-lo na nossa próxima edição, se vc permitir... o link do zine está no meu blog, vc pode dar uma conferida e, se gostar, vai ser um prazer ter uma marca sua por lá. Fico no aguardo.

Um beijo!