19.9.07

10 minutos.

Sentada no quarto, envolta nela própria, com os pés e mãos tentando em um ato desesperado esconder-se do vai-e-vem de pedras que a atiravam, tanto lutou, tanto se encolheu que conseguiu adentrar na parte escura, dentro do lado mais dentro que a menina tinha. Foi como engolir um comprimido, rápido e inodoro. Era mais fácil ficar protegida dentro de um monte de órgãos e moléculas e nervos do que exposta a uma guerra que ela não sabia de onde vinha, por que vinha, só sabia que era a outra menina, a outra versão dela mesma, que jogava as pedras incessantemente. Doíam.
Passeando pelo desconhecido e escutando o som alto que o seu sangue produzia ao percorrer as suas veias e artérias, a menina parou no meio do caminho, assustada. Por mais que todo mundo saiba que o sangue corre e tem um som, inaudível para certas pessoas, não para ela, assustava vê-lo tão de perto, tão vermelho. A máquina elétrica - a do peito que tinha se acostumado a bater de paixão - da menina pulsava em desespero, pedindo auxílio, ajuda, implorando por esconderijo, aquela sensação e até certeza de saber que tinha mesmo sangue nas veias e a vibração do pulsar forte e intenso era tudo, menos confortante. Cada vez mais rápido, tum-tum, tum-tum. O ar já não chegava com a mesma freqüência, não fazia o mesmo efeito, ela precisava de mais, maiiis, maaaiiis a-a-r e mesmo que ficasse na ponta dos pés afim de capturar qualquer oxigênio que passasse despercebido por ali, era pouco pra velocidade dos seus batimentos, impossível de neutralizar a quantidade de gás venenoso que lhe cercava. Diante do quadro aterrorizante a solução mais racional era se acalmar, ou pelo menos tentar manter-se calma. Sentou. Respirou. O coração ainda batia forte, os movimentos de contração e relaxamento trabalhavam a toda, como no dia que ela tinha se apaixonado pela primeira vez, só que com uma diferença: tudo chegava cérebro como mensagens intraduzíveis, códigos sem nenhum significado lógico, completamente contrário a toda lógica que a menina trazia no bolso direito da saia, no entanto ele sabia o que se passava e que não acreditava que toda aquela crise, aquele medo era só por causa de um sangue, mesmo que dela, mas sangue. Inacreditável demais fazer o corpo trabalhar em sinal de alerta, gastar tanta energia com um fato, uma realidade já conhecida por ela, chegava a ser vergonhoso.
A menina não conseguia pensar, ela só conseguia sentir, sentir aquele medo de ser engolida pelo sangue, de ser apenas mais um elemento figurativo no meio daquela massa toda, de ter feito o caminho errado, sem volta. Sabia que deveria levantar a cabeça, sair correndo e encontrar a saída que a trouxesse de volta pra fora dela, sabia até que suas pernas eram suficientemente fortes pra isso, porém o corpo nem respondia, os músculos pesavam, as costas doíam, as marcas das pedras ardiam agora.

Coração bate forte de novo.
Ar?

Cadê o aaar?
Lá vem o sangue, meu deus.
Se aacalme, vamos, você não é assim.
Reage, porra!

Ela levantou uma perna, mesmo que inconsciente. Levantou a outra, focou onde queria chegar e foi. Foi. Correu os primeiros metros com o ar que lhe restava nos pulmões, precisava ser astuta, sabia que aquele ar não duraria muito e ainda faltava um bom pedaço do labirinto, foi cruzando aos poucos, ora encostava, ora andava.
Sístole-diástole,síiiiistole-diástole,siiiiiíiiistole-diástole, a sinfonia não parava, os ouvidos dela doíam. As moléculas trabalhavam, as enzimas cumpriam seu papel, e ninguém parava pra dar uma mão, dizer onde a porta mais próxima se encontrava, a menina estava imperceptível. A vontade era de correr, mesmo que fosse pro nada, sair dali, daquele corpo, daquela vida, voltar pro lado de fora, menos barulho. Rápido.

Respira, você sabe que assim passa e foca na saída, foca na saída, você é boa de concentração.
Levantou. Não tinha mais o que fazer, precisava acabar logo com isso e de uma forma descente. Ela, logo ela, não podia se deixar levar por qualquer sanguezinho que aparecesse na sua frente.
Correu até gastar o último átomo de oxigênio, achou a saída e deu um pulo pra fora dela mesma. Desmaiou com falta de ar. Mas estava no lugar dela, nem tão dentro e nem tão fora, apenas no lugar dela.

6 comentários:

Anônimo disse...

imagina eu lendo e ficando sem fôlego junto com o texto.
pera que eu vou ali fora tomar um
ar.

Juliana Almirante disse...

de tirar o fôlego mesmo...

sístole e diástole de um coração que ainda bate não é tão simples qnto parece

Anônimo disse...

Não é tão simples como parece mesmo.
Parece que o coração vai explodir. Ou melhor, que o corpo inteiro vai explodir num gesto desesperado de se fragmentar para poder ficar mais concreto. Sei lá, isso dói. E você conseguiu expressar tudo
[t u d o ] no texto.

Beijão, Clara.
Se cuida.

Thaís Salomão disse...

eu adoro quando ela consegue dar esses pulos; queria ter essa capacidade monstruosa de pular.
ainda bem que ela sempre tá lá pra me empurrar quando preciso pular.

(...) Ariel disse...

E esses foram os 10 minutos mais longos e intrigantes de qualquer texto que eu já tenha lido. Ufa! Ela reagiu, inconscientemente, mas reagiu...e eu me senti ali, dentro e fora ao mesmo tempo, a cada letra que ia descobrindo, a cada nova palavra, mais me envolvia.

E o "reage porra!"...nunca veio tanto a acalhar! Talvez tenha lido a mim mesma agora pelas suas letras menina Clara ^^

Grande Beijo!

Juliana Almirante disse...

Te convidei pra um Meme.
Vê lá no Frente e Versos e
participa de quiser...

Bjo