29.2.08

Ela estava andando com a cabeça no ar, mente aberta no vácuo pensando no hoje, no ontem e no amanhã, havia um buraco no meio da rua e não percebeu. Qualquer outra pessoa atenta perceberia a extensão da cratera e se deslocaria para esquerda ou direita, mas por algum motivo não casual, evitou o desvio. As lacunas não existiam só do lado de fora da vida, estavam dentro, presas e cada vez maiores.
A explicação para todo aquele medo silencioso e ao mesmo tempo gritante era chegar perto dos limites do buraco quase negro que se instalara nela. O acúmulo de situações não recicláveis afundou o seu peito, sufocou a alma. Ela teve que conviver com o peso das suas frustrações e passos bambos, o descolorir dos sonhos e a falta de coragem. Tantos problemas que nenhum remédio anestesiará as suas angústias. Melhor sempre é manter-se afastada do perigo de cair em si mesma.
Assustada, ela tratou logo de puxar a perna e voltar a sua caminhada apressada, a sua vida sem sentido. Não conseguiu. O peso do seu corpo arrancou mais alguns tijolos que se seguravam desesperadamente uns nos outros e trouxe à tona as lágrimas internas.
Precisava sair dali. Sair de si, não era hora de encarar-se.


Fez força nos braços e ficou em pé novamente, desviou.


Levou o buraco interno consigo.

10 comentários:

Fernando Locke disse...

Meus parabéns! qual buraco poderia ser pior que o que pode existir dentro de nós? mas sabe, não precisamos encarar isso sozinhos! se existe alguém que pode te ferir, com certeza existe algu´´em que pode te curar! ah, perdoe-me! Fernando Locke! Muito bom o seu blog, vou linkar, ok? abraço!

Camila disse...

ui...

Cadinho RoCo disse...

Os buracos são sempre ameaçadores.
Cadinho RoCo

Renato Ziggy disse...

Querida Clara, acho que esse foi o texto mais belo seu que já li. Bem, pelo menos eu acho. As metáforas foram lindas, ainda que tristes... O fato é que a vida é assim mesmo. Tem vezes que estamos tão emotivos, tão á flor da pele, que sequer enxergamos o que está diante do palmo do nosso nariz e por isso caímos em "crateras". É o tal do desequilíbrio, ao qual devemos estar muito atentos. Gostei muito! Bjos!

banzooo disse...

Cair pra dentro de si mesma pode ser perigoso!! ^^'

adoro tudo o que escreve.., linkei teu blog no meu, espero que não tenha nenhum problema! :)

=**

[Ana Clara]

Anônimo disse...

"Melhor sempre é manter-se afastada do perigo de cair em si mesma."
Me lembrou da Clarice, dizendo que a gente precisa de coragem pra se conhecer...

Posso dar um palpite no seu texto?
Na última frase, acho que ficaria melhor se a palavra "interno" fosse trocada por "inteiro".
O que acha?

Beijocas.

Unknown disse...

Estou a algum tempo devendo uma explicação. acho que vc entendeu mal meu último comentário. Explico: quando eu me referia a "vício", não se tratava de dependência química, mas de todo ritual da vida humano. Aos ciclos que todos nós nos apegamos.
E vc disse: "cura não é utopia. é coragem pra mudar". pois para mim, utopias são exatamente o que nos dão coragem para fazer qualquer coisa. Como eu havia dito, não entendo utopia de uma forma ruim. Independente se possível ou não, são as utopias que movimentam os desejos e dão objetivo à vida.

Espero ter me explicado bem. =D

Someone happy! disse...

Olá, olá!
Andando nas minhas visitas aos blogs acabei visitando o teu e gostei daqui, o que faz com que volte, o.k.?
Até próxima visita!

Fernanda Papandrea disse...

A cura tem de vir de dentro de nós,
ela virá para nos libertar.

beijos!

Anônimo disse...

Às vezes cair em nós é a única forma de emergir.

Clara, bom texto.

beijos