11.2.08

Texto antigo de uma vida nova

Eram 8 horas da noite, ela cansada do trabalho abriu a porta esperando encontrar um abraço, um beijo e uma saudade, só encontrou ele jogado no sofá. Estranho, já que aquilo de abraço-beijo-saudade era quase diário, necessário, mas até aí tudo bem. ‘Boa noite, amor’, ele responde com um ‘boa noite’, ponto. Mais estranho. Ela segue direto para o quarto, tira os sapatos apertados, a roupa com cheiro de hospital e volta disposta a abrir a porta de novo e encontrar tudo aquilo de que necessitava. Sentou no sofá, longe. Os olhos dele ainda estavam concentrados na televisão, passava um programa qualquer. Ela afundou-se no sofá, achando que tinha entrado na casa errada, deu medo da frieza daquela situação. Passados bons minutos em pleno silêncio, ele finalmente a olha: o azul que tanto iluminava e que trazia o sorriso dela, perguntou como foi o dia, de praxe. Continuaram a se falar, incluindo as coisas mais corriqueiras possíveis: proposta do livro, ele apoiou, com certo orgulho até, no entanto, não era ele que estava ali, não era o companheiro de todas as horas, era apenas o corpo jorrando palavras sem profundidade. O pior foi que ela se perdeu nele, como sempre, um olhar bastava pra saber o lugar onde ela queria habitar até o fim dos seus dias. Ficava se perguntando se faltava muito pra chegar à hora em que eles se calavam e iriam pro sofá aproveitar a noite juntinhos, sentindo a respiração um do outro. Ele recuava a cada demonstração de afeto, reclamava de sede e ia à cozinha, seco, ríspido.
O que estava acontecendo? O que ela tinha feito de tão grave? Precisava saber. Levantou rápido e o puxou pelo braço, questionava suas atitudes, a frieza e ao mesmo tempo se afastava, colocava a armadura. Num só golpe, ele jogou a capa protetora dela e disse que não sabia o que se passava, só sentia. Sentia-se como daquelas vezes, desesperando-a.
Ela procurava respostas, ele não sabia dar. Só falava que as coisas não estavam bem, tudo tinha se somado naquela noite e ganho proporções gigantescas, saído do trilho. Só falava em “coisas”, perdeu a aula no colégio em que ensinavam que uma palavra pode ter vários significados. Brigaram por dez minutos seguidos. Ela, como sempre, falando pelos cotovelos e ele a escutá-la, a reprimi-la. Machucaram-se. As palavras dela eram barulhentas pra não dar margem a um “eu não te amo mais”; as pouquíssimas dele eram “eu te amo demais, mas me senti sozinho quando fui ajeitar os trilhos”. No fundo, ela sabia exatamente do que ele estava falando.
“Preciso sair” Ah! Não havia nada que a deixasse com mais raiva do que essa mania dele de adiar uma solução, pensar e repensar. Por mais que ela soubesse que ele precisava disso, doía à espera e ela era tão prática, iria agüentar qualquer solução imediatista. Mentira, ela não iria, mas por instinto queria que fosse assim. ‘Vai, mas me dá um abraço antes’, ele a abraçou do jeito que ela gostava, com intensidade,pegou as chaves e disse “te ligo”. Bateu a porta devagar e na medida suficiente para abrir um vazio nela.
Ele foi à praia, ela tomar um banho gelado para “acalmar os nervos”. Baixada a poeira, ela estava andando pela casa com uma caneca de café na mão e olhando pro sofá que era dele, o espaço dele. O remédio de tarja preta ainda não tinha feito nenhum efeito.
Foi dormir naquela cama espaçosa demais pra ela, com o travesseiro dele de um lado e o celular do outro. Levantou-se de madrugada após uma insônia covarde e percebeu que não adiantaria ligar, ele havia esquecido o telefone na cabeceira da cama, perto da foto deles abraçados no verão anterior. Então, voltou a deitar, só restava esperar a hora em que ele abrisse a porta com o sorriso mais lindo do mundo ou com uma notícia que a fizesse perder o chão. Adormeceu e no meio da madrugada, como um ato involuntário, virou-se na busca do colo dele, do cheiro,ainda não estava lá.
Abriu a porta com cuidado, sabia que àquela hora ela estaria dormindo. Entrou no quarto e a viu com três cobertores, morta de frio. Bastava só olhá-la para chegar à certeza de que dentre os acertos da sua vida, ela destacava-se como principal. Ela abriu os olhos, deu um sobressalto, escutou um ‘eu sou louco por você’ sussurrado. Sem pensar em nada, ele deitou e esquentou ela que só se acomodou mais no peito dele. Naqueles instantes, eles eram um só.


15 comentários:

Anônimo disse...

Acho que nao da para chorar mais do que eu estou agora...
Quando comecei a ler, lembrei da musica do Kid Abelha "o nosso amor se transformou em bom-dia". Depois, fui me vendo na situacao, porque tudo isso acabou de acontecer comigo (tirando o final feliz). E eu estava pensando coisas parecidas com as que ela pensou e eu estou sentindo coisas parecidas com as que ela sentiu.
E eu estou completamente emocionada com o seu texto...

Um beijo, menina-clara.

Renato Ziggy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato Ziggy disse...

Nossa, Clara, isso foi simplesmente lindo. Sei lá, sabe quando você assiste a um filme e torce pro casal, após superar vários obstáculos, ficar junto?

Fiz torcida do lado de cá e me realizei. Foi lindo demais, cara. É muito bonito ver um casal se amar com tanta trasparência. Bjos e muito obrigado pelo comment!

*E claro, suas palavras são sempre lindas!*

Flávia disse...

Nossa, parece que eu estava vivendo exatamente essa situação.
Cheguei a ficar com um nó na garganta.(sou chorona)

Adorei seu texto, isso retrata cenário de muitos relacionamentos.

beijos e aparece lá no meu cantinho!

Anônimo disse...

Ô, clareante!
Por aqui também brotou sorriso imenso por ter lido amor assim. E é sempre tão bom, e amor com sorriso que clareia e olhitos azuis que fazem o clarão do mundo da menina.
Acho que, no fundo, eu já sabia. Final feliz, mesmo antes do texto aca´bar. É que vindo de ti, é engraçado, mas eu não consigo imaginar finais tristes e sem sorrisos grandes...

É sempre felicidade quando eu te vejo pela minha casinha, sabe. Sempre uma alegria diferente, coisinhas que eu não sei verbalizar, deve ser abraço letrado. Aiai!
Beijo, rodopio e amor, muuuito amor nessa tua vida, sua linda! :)

nj.marabuto disse...

...nossa! tantas vezes te vejo em blogs de amigos e quando paro pra descobrir teu blog me deparo com algo assim, que me faz chorar. senti muita identidade com tua narrativa, só que numa inversão curiosa de gênero nos papéis.

voltarei.
beijo

leila saads disse...

Todo o casal, todo o amor tem suas complicações, seus momentos de fraqueza, suas brigas e seus desentendimentos. Você escreve lindamente, passa o sentimento e prende quem lê seu texto, parabéns! Gostei muito do blog, voltarei mais vezes, posso linka-lo?

Até!=]

Camila disse...

é... tanta gente, tanta identificação. cada um tem um pouquinho dos seus personagens. ninguém está completamente imune a certas coisas. é de rachar o peito e procurar fundo a alma perdida por lá. eu queria uma praia dessa aí, para um banho gelado...

beijos daqui...

Camila disse...

é... tanta gente, tanta identificação. cada um tem um pouquinho dos seus personagens. ninguém está completamente imune a certas coisas. é de rachar o peito e procurar fundo a alma perdida por lá. eu queria uma praia dessa aí, para um banho gelado...

beijos daqui...

Camila disse...

é... tanta gente, tanta identificação. cada um tem um pouquinho dos seus personagens. ninguém está completamente imune a certas coisas. é de rachar o peito e procurar fundo a alma perdida por lá. eu queria uma praia dessa aí, para um banho gelado...

beijos daqui...

Filipe Garcia disse...

ah... bonito demais... me fez lembrar uma frase que eu li na Lya Luft ontem: "Durante todos os dias do meu casamento eu escolhi você novamente para ser minha mulher." Creio nesse amor que supera, que não apaga, creio em finais felizes!!

"O pior foi que ela se perdeu nele, como sempre, um olhar bastava pra saber o lugar onde ela queria habitar até o fim dos seus dias."

Não precisa dizer mais nada, né? Tudo muito bonito.

Clara, deixei três selos pra vc no meu blog - há uns três dias... fique a vontade pra pegar.

Bjo

Diogo Lyra disse...

Ninguém está a salvo nem das tormentas e nem das calmarias do amor!

Anônimo disse...

No mínimo desejei um final feliz na história e um [re]começo feliz para mim.
Mesmo que a razão não entenda, os pés levam até onde o sentimento chama. O ruim é que às vezes tampamos os ouvidos e ficamos perdidos por não saber aonde ir.
Ainda bem que ele soube.

Queria também saber...

Beijos
Ótimo texto.

Unknown disse...

É, muito bonito a forma como vc escreveu. E da pra se sentir no meio. Não dá mesmo pra todos os dias estarmos em alta, a vida precisa do morno também.
(suspiro) ;D

Tata - A Moderninha disse...

Bom minha rica estou sem propriedade para falar alguma coisa....

Vida que segue né!!!

beijokas