6.9.09

Dois e Dois

Quando você Me ouvir cantar Venha não creia eu não corro perigo Digo não digo não ligo, deixo no ar Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar. Ela subia correndo, com a velocidade que só a saudade poderia atingir. Mp3 nos ouvidos e um canto interno quase machucando os tímpanos. Um, dois, três degraus de uma só vez. Chegou à porta, lúcida de si. Desta vez escolheu descartar todos os alucinógenos, deu um tempo no cigarro, queria mostrar-se dona de suas idéias, sem interferência etílica. Respirou coragem, percebeu que o trinco era o mesmo, até então, nada teria mudado. Tudo vai mal, tudo.Tudo é igual quando eu canto e sou mudo. Mas eu não minto não minto. Abriu e encontrou a certeza do vazio, o despropósito da falta, a agonia do amor. Parecia um cenário surpresa para um personagem não programado. Aliás, a cena final que, um dia, precisaria sair, mas sem acerto de contas, sem milagres e rearranjos divinos. Estafada e com o peito cheio de canções, encostou-se na parede que ele havia deixado um último desenho, o de um menino abraçando a namorada e com um quê de felicidade estampada nas linhas rabiscadas, um auto-retrato, uma forma de presente para quem era bem melhor nos traços do que nas palavras. Era amor. Solitário, hoje. Estou longe e perto.Sinto alegrias tristezas e brinco.Meu amor,Meu amor.

Ela ficou parada ali, por horas, em silêncio, sem lágrimas e sem versos ariscos. A angústia da falta tampava-lhe a boca e atrofiava os dedos, nada de nada. Tudo em volta está deserto tudo certo Tudo certo como dois e dois são cinco.

Quando você me ouvir chorar Tente não cante não conte comigo Falo não calo não falo deixo sangrar. Deixava sangrar, ir escorrendo pelo chão todas as loucuras de amor, todas as partituras, as marcas e tratados. Não coagulava, não parava, apenas escorria, apenas saía de forma contínua e delicada. Ela, parada, assistia a cena sem muito alarde, Algumas lágrimas bastam pra consolar Tudo vai mal, tudo Tudo mudou não me iludo e contudo ali parecia ser seu lugar. As paredes cheias de versos pareciam cama. A mesma porta sem trinco, o mesmo teto E a mesma lua a furar nosso zinco
Meu amor.

Mas, sangra. Você me sangra.

Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco.

Meu amor.

9 comentários:

Analista de sua própria vida disse...

Original. Texto fluído e com um tom rubro de desesperança.

disse...

Trilha sonora da vida...

Bjo

Rounds disse...

adorei a estrutura do post. massa!

bj

Késia Maximiano disse...

"Trilha sonora da vida..."

Concordo em número, gênero e grau!
Beijão

Anônimo disse...

idéia linda
você linda
texto lindo

quantas bocas você não me abre com suas palavras.. e hoje mais do que letras, vi versos; musicalidade; canção..

clara A menina :*

Jaya Magalhães disse...

Dois e dois podem ser cinco.
Nós gostamos do ilógico, meu amor.

Tudo erroneamente certo.

LihMarie disse...

Voce escreve incrivelmente bem! Adoro vir aqui sempre. é tao inspirador...

Maldito disse...

Adorei a forma como voce jogou com as palavras. .e as rimas!
Parabens!
Inté!

Camila disse...

é como eu disse...
orgulho tenho eu, irmã!
te amo além da conta.