12.11.09

maldita impossibilidade que parece zombar dos amantes

Quase deu certo. Éramos um casal quase perfeito: você vivia de Clarice e eu de Caio, éramos poéticos e harmoniosos enquanto tampávamos o que pairava de errado entre nossas mãos dadas. Mas a gente nem parava para reparar o que quase era errado, porque estávamos sedentos por novidades, descobertas e assim fomos percorrendo todas as instâncias da vontade. Em certas horas, estávamos entregues a desejos, em outras a medos primários, buracos internos que ainda sangravam e geravam impossibilidade. Talvez seja normal, entre os amantes, o pêndulo da impossibilidade: de um lado, éramos qualquer coisa que provocasse um quase pulso, no entanto, quando pendíamos para o lado oposto, a falta sufocava e adentrava entre nossos corpos durante o abraço quase diário.

Ficávamos quietos na ânsia desesperada da compreensão de nós mesmos, trocávamos farpas e declarações tortas de um futuro com os olhos, foi assim durante todo o tempo em que me considerei quase tua. Me sentia tão envolvida com teu discurso poético que mal produzia as minhas próprias poesias, era mais ou menos um tempo em que a vida do outro ganha um sentido maior do que se espera, talvez por não querer que a sua, sozinha, tenha tanto sentido. Ou talvez pelo quase sentido que duas vidas, juntas, podem gerar. Ou por qualquer outro sentido que salve o sentido que sufoca.

E íamos quase nos perdendo nos lençóis, quase deixávamos mensagens de amor para construir qualquer coisa que quase fosse barrar a impossibilidade de sermos exatamente aquilo que desejaríamos ser se não fosse o quase. Um quase meu e aquele quase teu que hoje ainda deixa uma sensação que quase tudo é possível, que longe e a sós não existiria esse tal advérbio de pouca intensidade e poderíamos nos entregar aos lençóis e aos poemas de dias acumulados de saudade.

Ai nessa parte, quando ninguém está observando e o sol vai embora, a gente acredita que o tempo volta, que as canções são nossas e que teu cheiro ainda faz parte da minha pele. Até voltarmos para a realidade dos amantes mal amados e que os livros, uma vez publicados, sempre terão o primeiro parágrafo, não adianta pular, nem rasgar. Começar a história pelo segundo parágrafo seria perder parte da descrição: meu vestido branco em um corpo molhado de suor que Alceu cantou, só para você lembrar de mim, naquela madrugada. E o que seria de nós sem nossas lembranças de verão? Uma impossibilidade?

E que briga é essa? E que loucura é essa de alimentar esse quase? Que necessidade é essa de manter essa relação que ninguém sabe assumir, ninguém sabe resumir e muito menos resolver? Ah, o quase. Quase sabemos da impossibilidade, do sufoco e, como loucos, nos atiramos em abismos de verdades, doa a quem doer. E dói. Quase deixa cicatriz.

Hoje, confesso que consigo quase entender a tua falta dentro dos meus planos, o amor que quase derramei em versos descarados e públicos destinados aos teus sonhos que me incluíam. Também sei que hoje faço parte da saudade que alimentas todas as noites em que a vida não bate na tua porta e te chama para o bar mais próximo. Talvez, no bar, eu também seja uma falta que você beba em goles largos e quentes. Porque, para sempre, eu vou ser um aquiloquepoderiadarcerto no meio do teu peito e você vai ser um quase preso na minha garganta.

Mas, calma, até que nem tanto esotérico assim. Se somos incompreensíveis, a nossa história é mais. O nosso futuro é uma incógnita cheia de expectativas e uma noite que não teve beijo de despedida. Sabe-se lá o que virá e em que velocidade. Quase esqueço que isso de esperar o que não é e nem pode ser promessa é a forma mais desesperada de matar qualquer coração que lute pela sobrevivência. Quase esqueço que com você é sempre um quase e me adentro nos teus olhos castanhos que me arrastam feito ímã para qualquer canto que não habite o impossível e nem o improvável.

Maldita impossibilidade que parece zombar dos amantes.


C.

15 comentários:

Noh Gomes disse...

Bebendo suas palavras, me deu saudade, uma saudade de um tempo tão distante, que eu insisto em deixar para lá, não me lembro mais do gosto da outra boca, nem das suas mãos, mas bebendo um pouco aqui, lembrei do meu sorriso e da minha vivacidade entre aqueles abraços e entre aquelas belas pernas.


Beijos

Ni ... disse...

A impossibilidade que nos faz passar a vida tentando torna-la possivel...

Beijo

Marguerita disse...

Este quase que me mata!

rs!

Beijos, Clara!

André disse...

doeu.

deh. disse...

ah!!! amei seu blog..

coloquei nos meus favoritos. pode?
continuarei vindo aqui.. lindo demais!

Thaís Salomão disse...

meu deus do céu.
e se eu te disser que ontem eu vinha voltando no ônibus cantando essa música e lembrei justamente disso tudo que tu falasse? de tu mesmo.
aí entro aqui e leio isso.
eu tou feliz, sabia? por ver tu deixando possibilidades em aberto.

até mais tarde :*

Thaís Salomão disse...

meu deus do céu.
e se eu te disser que ontem eu vinha voltando no ônibus cantando essa música e lembrei justamente disso tudo que tu falasse? de tu mesmo.
aí entro aqui e leio isso.
eu tou feliz, sabia? por ver tu deixando possibilidades em aberto.

até mais tarde :*

Lívia Mendes disse...

aiai... essa impossibilidade desesperadora!!!!

Anônimo disse...

Maldita impossibilidade que estufam o peito dos amantes. Sempre insistentes.

um beijo, Clara colorida

Leandro Luz disse...

Amei o texto !!!

maldita impossibilidade, também sofro dela !!

Analista de sua própria vida disse...

Parece que neste largo mundo os maiores loucos ainda são os amantes.
Abraços.

meus instantes e momentos disse...

gostei daqui.
Muito bom o texto.
Maurizio

Anônimo disse...

eu quase não gostei muito, não fosse isso uma impossibilidade eu diria que teria conseguido. fiquei aqui abobado em ver coisa tão leve, uma frase puxando a outra, sem obrigação. não quero eu ser o esoterista que vai desemtupir coração/garganta tão pouco quero que o façam.. a promessa é dos amantes e por eles deve ser feita, desfeita, refeita.. como há de ser e será.. é uma propriedade deles, delas, histórias assim. :*

Tarcísio Buenas. disse...

clara,

você está escrevendo cada vez melhor. que bom.

bom fim de semana.

bj

Anônimo disse...

Fico impressionada como as pessoas compartilham textos na internet como se fosse sua a autoria. What a shame! Este texto é de autoria de CASSIA MALACARNE!