You don't know me
Bet you'll never get to know me
You don't know me at all
You don't know me – Caetano
Bet you'll never get to know me
You don't know me at all
You don't know me – Caetano
Alice tava doida pra dar e queria algo que não se comesse só com a boca. *
Era preciso paixão, ela sabia. Era preciso qualquer coisa acima do mecânico: beije, tire a roupa e compre cigarros. Algo que não se comesse só com a boca e não se limitasse as mãos. Alice sabia, na verdade, que seria mais uma noite dessas típicas da total falta de rumo: cheira aqui, bebe ali, sorri para uns e termina na cama dele. Novamente, impulsivamente e descontroladamente. O sol nascia enquanto ela abria as pernas flexíveis, devido aos anos de bailarina frustrada e fumante, repetidas vezes, até ultrapassar o limite. Alice tinha isso em mente: era preciso ultrapassar os limites porque desse modo conseguiria tapar toda a falta de senso e de paixão que a atordoava as entranhas. Só assim conseguiria disfarçar a ausência dos versos deixados naquele bar, no último porre de realidade.
Era preciso paixão, dizia a música calminha lá dentro da livraria. Era preciso paixão, ela repetia como um mantra, aquelas palavras musicadas que entram na cabeça e não encontram a porta de saída. Porra, é preciso paixão. A frase entrava como uma agulha afiada em cada poro de Alice e a fazia se contorcer, perder a fome. Era um tapa na cara a cada instante, um aviso desaforado a sua pose de mulher bem resolvida, um medo atrevido.
Meio-dia e o quinto cigarro. Ultimamente, a carteira de cigarros era sua melhor companhia. Ter sempre algo nas mãos dava uma sensação tranquila, uma desculpa certa para aquela pausa, a saída estratégica. Não sabia quando ia parar, não tinha vontade. Tinha medo do dia em que não teria algo para tragar. A única vontade de Alice era algo que saboreasse com os olhos, atacasse com o corpo e digerisse com a alma. O limiar do cotidiano e do extraordinário. Ela queria o último volume do êxtase, uma loucura não lisérgica, verdadeira do começo ao fim. Queria algo que não precisava de nome e nem de endereço, mas que a comesse bem. Fundo. Inundasse. Reinventasse as origens e evitasse a última dose de gin.
Alice não queria amor, nem livros. Queria um blues desvairado, um sopro forte que relembrasse aquela frase que ela tanto gostava, a ansiedade de assumir o amanhã. Dar e dizer coisas sem sentido, ficar de cara. Mais que um corpo, um sexo, um gozo, um prato. Ela queria tudo que fosse secreto, o que não precisava ser dito. Paixão. Alice queria ser comida com poemas oculares, traçada com fome de alma e fúria de corpo. Júlia. Alice queria.
* Frase do texto Calor e Fome, de Alex Guterres.
9 comentários:
Caralho, sabe? É isso! É preciso comer as letras, a poesia. É preciso degustar com a intensidade de Alice. É preciso paixão, urgentemente.
Tô levando o texto comigo, Clarinha. Lendo, relendo, sorrindo.
Me falta algo nas mãos.
Fiquei minutos tentando pensar em algum comentário e vi que na verdade eu não tenho nada pra comentar. Isso daqui ultrapassou qualquer coisa que eu chamo de lógico pra acertar em cheio bem na venta. Tô bobo e babando.
Alice, Dulce.. essas mulheres :*
Que tesão de texto!
Adorei, Clara!
É a forma intensa que constrói esse jogo tão delicioso...
Texto forte, quente...
=)
Beijos.
que belo achado!
já conhece isto(?): www.aliceaoquadrado.blogspot.com
"vem do recife nova descoberta/de bicicreta as moça não passeia/a cirandeira bem depressa liga o rádio/ela não quer escutar ciranda feia".
Surubim
Dá gosto de ler :)
Cadência que faz a gente devorar o texto. Dá gosto e dá pra sentir o gosto :D
Bjs
Oie Clara.
è o Rubens da Sunshine, rs
flor, pode me enviar uma das suas poesias para este e-mail?
binho_byers@hotmail.com
se puder aproveitar e me adciona no msn, queria falar contigo, sobre umas experimentações que quero fazer na revista e claro, te convidar para participar.
E ha! desta vez não erro o nome, juro!
bjos e boa semana!
Postar um comentário