24.10.07

Tamanho, trem

“Ela não faz da dor um estandarte, guarda-a como um segredo. Nos socavões da alma. Não quer apanhar o sol, que entra pela janela; nem silenciar os tambores, os bombos, os vilões, as flautas e os ganzás que andam pelas ruas, neste domingo de Carnaval; nem pensa que seria melhor outro dia para a morte. Sabe que algum dia é melhor que os outros para a desgraça; que o homem vê o sol, mas não o sol aos homens; e que as pessoas, quando felizes, têm direito às suas alegrias, pois cada qual há seus dias de lágrimas e o pranto de um nem sempre é o de todos.” Osman Lins

Assim, ela fechou o livro e foi dançar ao som dos tambores que batiam na porta do quarto. Em batidas com compasso único, aquele sambinha que deixava o corpo criar uma coreografia aleatória. Deu voltas em torno dela mesma, como uma rotação mal programada, apenas por ser assim e não de outro jeito. Rodava com os braços levantados pro céu, um passo milimetricamente ordenado, leve. Cantava alguma coisa meio Caetano, Jorge Ben, não se sabe ao certo. Se ali perto tivesse um abismo, sem sombra de dúvidas ela teria pulado só pra ver como é sensação da queda livre, de ter que criar asas temporárias pra evitar o chão. Loucura? Talvez, mas o que tem sentido nessa vida? O quê, meu amor?
O abismo até que tinha, dentro dela inclusive, mas os pés, outrora responsáveis pelo desejo intermitente de criar asas, impossibilitaram que a menina fosse longe demais por um desejo temporário, fizeram o seu corpo correr veloz e tão sábio, tão certo, tão com vontade, e pra longe. Depois de segura, em terra firme, as asas brotaram como uma florzinha que tem medo de nascer, demora e demora, mas quando nasce, transborda cheiro,luz, cor, graça. Voltou pra roda, pra ela e pro ritmo do maracatu, jogando o corpo pelo mundo, dilacerando-se em cores e ganhando novos cheiros, mas com as asas guardadinhas pra um momento especial, que os pés não servissem mais. Por enquanto, ela queria tê-los bem perto da superfície, pra sambar direitinho.
O mais importante é que a menina mesmo escondendo nos bolsos uma porção de tristeza - não, não aquela tristeza que contamina os poros e arranca todo segundo de paz, tranqüilidade. Mas a necessária, essencial, que faz rodopiar, enfrentar o mundo ao som dos bandolins, com um par valsando – continuava incrivelmente clara, aliás... claríisiiiima.


Abra a porta, meu bem. E se possível, não feche a janela, deixa a brisa do fim da tarde chegar perto da minha pele.



Um comentário:

Anônimo disse...

'Aliás, Claríssima!!'


Ler essas suas palavras dão vontade de ouvir música boa e sair por aí espalhando sorrisos.

=]