10.3.09

Foto: Leonardo Hoffman



Nossa, lembro do tempo que estou esperando para vir te dar, pessoalmente, esse adeus. É, minha querida, estou partindo, "puxando o barco", "dando marcha ré" ou qualquer outra expressão que você queira. Não foi nenhuma indelicadeza tua, nem a comida estava de mau agrado, pelo contrário. Durante toda a hospedagem, praticamente me senti em casa, regada, todos os dias, com o muito da tua poesia, da tua luz irradiante. Quando o sol ameaçava ir embora, trazias tão delicadamente o meu café para acompanhar-me, junto com um sorriso que daria uma tela, das mais bonitas. Com certeza essas doçuras ficarão guardadas comigo, como as cartas que trocamos naquela época, não as deixarei amarelar.
O destino ao certo ainda não chegou aos meus ouvidos, sabe? Mas entendes a minha ânsia por partir. É que nada do que está aqui me completa mais - por favor, me entenda bem, não me refiro a tua companhia, a nada teu. Aqui, apenas trato de mim, das minhas aventuras com o mundo-. Lembrei agora: uma namorada me dizia que nós já nascemos completos, era loucura da minha cabeça acreditar que eu só era metade de uma coisa qualquer e essa mesma metade, igualzinha e tão louca como as minhas ideias, iria aparecer, do nada, em uma noite de poesia. Às vezes, acho que isso tem lógica, sabe? O cansaço da busca é justamente pelo motivo de não ter motivo, pelo fato de a outra metade, a igualzinha, encontrar-se dentro de mim, costurada. Mas agora, não consigo filosofar sobre esse assunto, ainda preciso te falar da partida, antes que o café esfrie.

Ainda está dolorido um pouco e ainda tem essa necessidade de ganhar novos ares. Eu sei que é contraditório, visto que a tua casa é melhor do que qualquer hospital e que és a enfermeira mais dedicada que já conheci. Na verdade verdadeira, não sei bem onde encontrar explicação para a minha ida, não sei bem pontuar os argumentos, elaborar um texto, chegar à conclusão. No entanto, acho que isso não te choca mais, sabes como ninguém da minha impulsividade. Pronto, cheguei ao ponto ideal: por impulso, por medo, por vida, preciso ir.
Talvez seja ali para a vila mais próxima, talvez seja o outro lado do mundo, não sei não sei. Apenas desejo que, ao retornar, se um dia isso acontecer (acho que esqueci de te falar que não faço/aceito mais promessas, cada uma faz o que pode, o que anseia. É, meu amor, um coração machucado demais tem lá suas frescuras) espero que a casa esteja aberta e com cheiro de jasmim. Mas caso meu pedido seja demais ou chegue à altura da grosseria, peço perdão. Aliás, preciso te pedir perdão pela minha ausência, já que tantas vezes, apenas tu foste a minha presença. Entenda, querida, de uma vez por todas, que minha partida é apenas para que eu consiga voltar respirando sorriso. É por ar a minha ânsia. Ar livre.
Trem, barco, avião, metrô, balão... O meio ainda não foi comunicado, mas fique certa de que mando cartas, com flores no meio.

Não me culpe, não te culpes. Todo jardim precisa de um tempo sem flor para descansar a terra.
Eu estou indo atrás da minha.

Com muito, muito amor (porque esse continuará em cada canto de mim, de ti e da casa).




Caio.

7 comentários:

Anônimo disse...

escreve bem.

acho que usou uma analogia muito legal.
todos precisamos de um tempo para voltar a florescer, não é mesmo.

sorte e luz.

Rounds disse...

grande texto!

emocionante.

bj

Marguerita disse...

Bela descoberta dentre tantos blogs...

Prazer, Rita.

leila saads disse...

Sei dessa sensação... Bem Vinícius de Moraes: "É claro que a vida é boa/ E a alegria, a única indizível emoção/ É claro que te acho linda/ Em ti bendigo o amor das coisas simples/ É claro que te amo/ E tenho tudo para ser feliz//
Mas acontece que eu sou triste..."

Mas concordo com a outra namorada, a completude está em nós mesmos...

=*

Narradora disse...

Bonito e quase triste.
Bjs

Salve Jorge disse...

Vai
Que tão bem lhe cai
O que sai
Quem sabe
O que lhe cabe
Espero que não se estabaque
Que a vida não empaque
Pois se aqui tudo derrapa
É só em quanto durar a chuva
Estarás fazendo a curva
E minha boca ainda não saberá de garapa
Pois agora soa a tapa
O que antes tinha gosto de uvas
Águas turvas
Mas hão de clarear
E estando tudo claro
É claro
Que irei te saudar com a minha saudade...

Fleur Anonyme disse...
Este comentário foi removido pelo autor.